domingo, 5 de junho de 2011

KUSCH, Rodolfo. América Profunda - Exórdio

KUSCH, Rodolfo. América Profunda - Exórdio
·         Continuidade do passado americano no presente
·         A crença num pensamento indígena – pensamento como pura intuição
·         Uma disposição para o mundo: estar indígena como pura contemplação
·         Fagocitação – produzido no encontro do estar indígena e o ser europeu
Introdução à América
O incômodo do encontro com o indígena ] mesmo protegido no interior da igreja, o desconforto pelo encontro com o outro. Cuzco = lugar que faz emergir esse sentimento de um mundo adverso, cujo remédio é a limpeza (da cidade) que contrasta com o fedor indígena.
Fedor ] sentimento diante do índio, diante da América, diante do passado.  Emoção que não queremos entender. Limpeza = classe média, cidade; Fedor = sujeira tácita do americano.
Governantes tentam implantar a limpeza, cidades planejadas, sistemas de educação, sinônimos de uma forma européia de vida e opostas ao fedor americano, este evidenciado em Tupac Amaru, Perón...
Mas o que aconteceria que fosse levando em conta a realidade americana, sua economia, e sua cultura? Olhar o indígena faz aflorar o medo, um medo antigo, medo de assumir a ambigüidade que sentimos e vivemos, entre a limpeza (branca, acadêmica) e o fedor (das ruas, dos índios, dos negros, do popular). Medo das crenças e, principalmente das emoções que estão dentro de nós, abafadas pelo predomínio da razão.
Medo de cair preso pelo americano que crê na ira divina, que se guia pela emoção messiânica. A ira que se funde com a natureza e aí encontra o equilíbrio entre a vida e a morte ]daí a mística, que confere sentido ao viver. “O milagre consiste em converter a violência exterior em um caminho interior” (p.17). E para não ver e sentir a ira a estratégia de esconder-se sob o signo na limpeza, do progresso, da razão.
Fagocitação ] absorção das limpas coisas do ocidente pelas coisas da América. É nessa fagocitação que se expressa toda a sabedoria da América, já que não existe nada puro.
Livro I – A ira divina ]é a história do ponto de vista do indígena.
O mito do deus Viracocha. Do encontro do Yamqui com o padre Ávila nasce uma crônica que evidencia a atitude indígena frente ao seu passado, passado que reflete seu pensamento, sua filosofia ]situada e expressa entre o medo da inquisição e a convicção nos antepassados. Os escritos do yamque revelam um jogo entre homem e natureza.
Crenças que partem da pergunta: deus, onde estás? que o padre confunde com o catolicismo, mas que é um jeito sutil de continuar com suas crenças, mesmo “apertado” pela pregação cristã.
Os cinco signos de Viracocha: mestre ]que ensina na difícil relação com as adversidades do mundo; riqueza ]para alimentar o mundo . A ambígua relação entre deus e o mundo. Tunupa  ]um deus menos divino e mais mundano, reflete a vinculação concreta com o mundo; Dualidade  ]homem mulher, autofecundação, semente; circulo  ] criador fundamental, regulador do cosmos. Criar o mundo significa dar-lhe sentido = o mundo existe como caos, a ordem é o sentido, necessidade humana.
A marcha de deus sobre o mundo ] sentido ao mundo, criação, ordem. A idéia de pureza contaminada com a feia e amarga índole do mundo = turbilhão, desordem. Mundo ] ansiedade pela colheita, medo do granizo, do rio que arrasa, do monte que desaba. Mundo ] indeterminação, incerteza.
]diante das manifestações do mundo, diante do livre jogo das forças, diante da ira divina. Fé que possibilita a conciliação. O índio sente medo, deixa aparecer seu medo, imerso em seu mundo de angústia, sem uma estrutura criada para distraí-lo. Dispõe-se ao mundo e sua ira, a sua incerteza e indeterminação. (O ocidental criou a cidade - limpa, ordenada, alinhada - para distrair-se diante da angústia da morte).
ORDEM (de deus) CAOS (do mundo) ]opostos originais; enfrentamento com o caos produz o movimento; fome – saciedade. O bem e o mal andam juntos (dualidade, ambigüidade). O mundo é pura casualidade. Cruz ] ordem cósmica pré-colombiana.
O mundo (céu e terra) ]o segredo do cosmos é a dualidade. A ordem da vida (macho e fêmea) e o mundo de cima (ordem) e o mundo de baixo (a terra, este solo). Céu e terra, esta mais contaminada pelo caos. Os heróis gêmeos – seus rastros, já que se transformaram em sol e lua – significa a abundância de todas as coisas. Significa também plantar – as atividades agrárias.
Os quatro elementos (fogo e terra) ligados ao herói solar e (água e ar) ligados ao herói lunar. Com esse quatro elementos se conjurava o caos que, de elemento inútil, era transformado em útil (p. 66).
Acaso – casualidade (azar) Viracocha concilia opostos – ordem e desordem – que podem se alternar entre uma boa colheita de milho, mas também só “erva-daninha”. A cruz – ordem cósmica – Tunupa, para quem se pede colheita de maiz.
As categorias do Yamqui, representadas numa mandala, evidencia o significado da posição de cada elemento gráfico. Olhando o desenho, as imagens se organizam na forma de um calendário (p. 72). Diz Kusch que esse esquema tem origem antiga na sabedoria indígena, mas que constitui uma continuidade ainda presente na América, relembrando algumas situações em que este tipo de saber aparece.
Viracochaimo]intelectuais do império inca = intelectualizam antigas crenças numa cosmogonia amauta. Um mundo conceitual para pensar dentro da lógica indígena. Releitura das narrativas antigas.
Viracocha = deus dual, dono dos quatro elementos. Heróis gêmeos: um da abundância passiva, da colheita, como potência pura; outro, escassez (sentido pejorativo) – período da semeadura. O cosmos indígena se bifurca entre duas forças e disputa as forças do mundo. AMAUTA: cria calendário como mandala.
Ao perguntar onde estás? (dirigindo-se a deus) evidencia uma abstração das divindades (talvez para deixar a doutrina indígena compreensível – ou próxima – a cristã.
Os hinos]onde aparece a concretização, o visível, o tocável das divindades. Para chegar à iluminação, estado de sabedoria (fusão dos opostos) = o jejum ]domínio cósmico.
A cruz indígena (p.91) identificação, fagocitação com deus. Caos e Ordem = luta trasnfigurada na explicação religiosa (p. 94). TUDO ISSO PEDRIA SER VISTO NUM PLANO FILOSÓFICO OCIDENTAL ]a angústia diante da morte (97). No entanto, no pensamento indígena é a IRA ]causalidade por germinação
O mero estar
Adoratórios = resíduos da fé, em Cuzco, centro germinativo do mundo inca. Adoratórios organizados em uma estrutura mandáliza.
Calendário = a própria cosmologia
Em quíchua CAY significa ser e estar (porém com acento no estar. p. 107, 108)
O sujeito que recebe é um sujeito passivo, imóvel – ESTAR AÍ
p. 109 = Atingir a abundância / evitar a escassez. Eis o problema.
Angustia diante da incerteza que não resolvia-se com a ação, mas com um mero estar, com a forte identificação com o ambiente.
Ser e estar p. 110. CONTEMPLAÇÃO (p. 112) sujeito afetado pelas quatro zonas do mundo
O circular, o mandálico ]Ira divina ou natureza (p. 113)
Diferenças entre indígenas e ocidentais (p. 114)
Indígena ]mero estar, dispor-se ao mundo
O mesmo medo original, porém soluções diferentes = o ocidental ]cidade; o indígena ]a magia
(p. 118) Resumo da cultura quíchua
Deus ocidental é um deus MORAL. Por que o indígena não é moral
P. 121, 122 = sujo e fedorento tem aí a explicação filosófica. De como o ocidental se limpou de todas as situações humanas.
Libro II – LOS OBJETOS (p.125)
Os mercadores = esforço em ser alguém (qualidade essencial do ocidente) para não se deixar afetar pelo passado.  A Europa também teve seu mero estar, no cristianismo antigo, de Moisés, do deserto, da casualidade, da ira divina. O ingresso na cidade e a invenção de um deus (Jesus Cristo) bondoso e compreensivo é a base para a criação de uma humanidade cidadã e limpa. O ser alguém é a base para a criação da burguesia intelectual (p. 129). A ira do homem, Roma amuralhada, provê materialmente os homens diante da ira. A polis, recinto fechado para o homem se refugiar em sua humanidade, porém, contraditoriamente, se subtrai do homem cidadão uma porção importante de humanidade (p. 131).
No âmbito da cidade se cria um mundo próprio: casas, técnica, polícia e objetos, em oposição ao outro mundo, deixado para trás. A cidade para alcançar a razão e escamotear a ira divina, o mero estar.
O mercador ] progresso ilimitado, extremo da razão. Confundiu-se com a ira divina, pois tinha o poder de criar um mundo (p. 136). Assume o ser, explicado por Descartes e Kant: assim nasce o ocidente = ser alguém inteligente.
Ser alguém ] “Deus criou o mundo e o homem criou a cidade” (P. 139) = cidade, cidadania, bom cidadão, moral (p. 140) o bem e o mal ]a moralidade = os objetos preenchem o vazio obtido moralmente = o consumo. Cidadania = a liberdade como direito de votar ou de comercializar; nunca como salvação interior (p. 142). Implicações: a passagem de “mero estar” medieval, para um “ser alguém” da cidade moderna.
O pátio dos objetos ]o feminino (medieval) suplantado pelo masculino que penetra o mundo = medidas exatas, o triunfo do comércio, a cidade que vai se convertendo em pátio – lugar para conviver - dos objetos.
Objetos e utensílios ] utensílio (coisa útil) expressa o homem frente ao mundo (p. 149) e difere do objeto (ser à mão), a técnica, especialmente quando se alia a agressão, invasão do espaço – forma de simular o medo (p. 151).
História ] relato do homem que está só, sem deus e sem mundo (p. 152). Relato dos objetos, cujo homem é visto como um. Na há sentido separar história e pré-história, a não ser quando aquela se assenta como criação da cidade moderna.  A história é muito resumida, só olha a cultura dinâmica urbana. Uma possibilidade: olhar a grande história (comunidades), ou seja, a história do universo e a pequena história (indivíduos), como relato puramente humano (p. 153). Seria a não separação homem-cultura-natureza. Grande história (das massas populares), representa o mero estar, no sentido do estar aqui do indígena (p. 157); pequena história (das elites) |(p. 156). Ser e estar = viracochismo = sentidos para entender a pequena e a grande história (p. 159).
Ser alguém ]A angústia do ocidente, o medo do devir – que extingue o ser o que não dá uma certeza ao ser (p. 160). O medo que não enfrenta a ira divina. Porém, o americano, que é ser, mas também o mero estar terá que encontrar o seu caminho. No entanto, a experiência européia e americana tem o mesmo ponto de partida, considerando a grande história (p. 164). Profetas do medo = Colombo, Pizarro, San Martin, Belgrano = buscam a parte do ser – para ser alguém, mas também porque se sentem inquietos diante do mero estar americano.
A história do descobrimento (Colombo) e da conquista (Pizarro) da America tem outra versão em Kusch = os profetas do medo. A Espanha, situada no “resíduo histórico”, produz a conquista (p. 169). Os imigrante da América do norte souberam disfarçar seu medo = voltaram-se aos objetos, herdam a dinâmica e se respaldam na técnica e na cidade para a nova experiência. Aprofundam cada vez mais o ser  alguém. Em contrapartida, a América do Sul deixa transparecer o mero estar, mesmo que a simulação e o orgulho escondam a miséria do nosso mero estar (p. 176).
Mas com o medo, na América do Sul, ocorre a fagocitação.

LIBRO III
Impossibilidade de sermos totalmente ocidentais (180), mas ao mesmo tempo ater-se ao litoral – de costas para o interior da América. Assim são fundadas as grandes cidades, onde se criou o afã competitivo de ser alguém (184). O afã de imitar Inglaterra e Estados Unidos ]seguir as trilhas da dinâmica ocidental; baseada no indivíduo como fundamento da sociedade (185); indústria, desenvolvimento, progresso.
Costa e Serra ]distanciamento entre o ser (livre concorrência) e o estar (passividade de uma cultura indígena) (p. 187-188). Porém, mesmo na cidade, mesmo na vida cosmopolita do ser alguém, subjaz o mero estar, visível na forte indigenização do Peru, por exemplo. (189).
Mas é importante saber que o indígena vive um estado de plenitude cultural (190); vive sua grande história, comprometido com o aqui e agora (191). Cidades “limpas”, sitiadas pelo mero estar (193). O mero estar tem uma consistência vital mais forte que o ser além, pois está em consonância com a América: o ser fagocitado pelo estar. Ver como ocorre essa “dialética”. (195).
O que é a fagocitação ]opera na inconsciência social (197). O ser quer impor a ordem, a limpeza; o estar sabe viver o equilíbrio entre ordem e desordem, por isso o fedor, a sujeira da desordem, do caos, da ira divina. A cultura ocidental pretende que tudo seja ordem. Por não ter suas raízes na vida, na grande história que considera a ordem e o caos, o ser alguém é fagocitável (mais frágil que o estar ameríndio (202).
Então a criação de fábrica de objetos (208). Compreende-se assim a angústia descrita por Heidegger ] descreve a vida inautêntica e deixa antever o desejo de uma vida autêntica. E o estar ensina que o ser não é durável – é apenas a pequena história (209). A grande história = utensílios; a pequena história = objetos.
Sabedoria da América ]esconde sua subjetividade numa pseudo objetividade. O índio também é transformado em objeto pela etnografia (p. 216). Uma filosofia de vida baseada no quefazer diário do povo (221).
O mero estar para o fruto ]a dificuldade das abstrações; a interioridade. Por isso o jejum, como forma de encontrar o seu interior, a busca da força dentro de si (234); sentir a dimensão exata da interioridade (235). Bem vinda a magia!!! A crença no deus e no diabo, na ordem e no caos. Diante da angústia da morte o pátio de objetos = “O pátio dos objetos serve precisamente para dar solidez de coisa a vida, para convertê-la em máquina de prazer” (238).
O caminho interior ]ordem interior = decorrente do equilíbrio entre o caos e ordem
Fedor e Sabedoria ]América supõe a tarefa de ser humano e haver feito um limite com o caos e com as coisas para buscar um caminho interior; caminho da verdade primeira (253). O fedor se dá como um retorno à interioridade.

Um comentário:

  1. Muito bom esse resumo/esquema/explicativo sobre o pensamento de Kusch nessa obra maravilhosa que nos faz entender a lógica ocidental e a indígena.

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